A vida de Jade mudou completamente quando sua família decidiu trocar a casa por um apartamento. De hora para outra, acabaram o conforto, os carinhos e as regalias. Acostumada a ser o centro das atenções, de repente ela viu-se presa em uma cela, cercada de estranhos. Sem entender direito o que estava acontecendo, passou dias tristes deitada num canto. Parou de comer, emagreceu, ficou doente. Não fosse por um grupo de pessoas que decidiu ajudá-la, hoje estaria morta. Jade é uma
husky siberiana, mas poderia ser uma
poodle,
rotweiller, fila ou vira-lata. Assim como ela, dezenas de cachorros são abandonados diariamente em São Paulo, apesar disso ser um crime previsto em lei federal. Calcula-se que os cães sem dono já passem dos 200 000 somente na capital. São animais largados em ruas, p
arques e praças, muitos deles ainda filhotes. “É um fenómeno tipicamente urbano”, diz Marco
Ciampi, Presidente da Associação Humanitária de Protecção e Bem-Estar Animal (Arca Brasil). “Para acabar com a solidão das grandes cidades, as pessoas decidem ter um bicho de estimação. Depois de um tempo, enjoam e se livram dele, como um objecto que não querem mais.” A história de Jade teve um final feliz por ela ser de raça, uma raridade entra os cães abandonados – quase todos vira-latas, pelos quais pouca gente se interessa. No seu caso, o antigo dono decidiu deixá-la no Centro de Controle de
Zoonoses (
CCZ) de
Diadema, que sacrifica animais, ainda que sadios. É uma perversidade: ali, só sobrevivem aqueles que arranjam logo um novo lar. Os outros morrem com
injecção letal. Indignados, os responsáveis pela
secção municipal da União Internacional
Protectora dos animais entraram com uma representação no Ministério Público contra a matança dos saudáveis. O
CCZ de
Diadema não fala sobre o assunto e proíbe que se fotografe seu corredor da morte. “Para salvar Jade, tivemos de agir rápido”, conta a dona-de-casa
Sueli Ferrari, que deu a cadela à filha Juliana, depois de ter se desfeito de seu
weimaraner alguns anos atrás. “Fiquei com peso na consciência. Resolvi então
adoptar um cachorro em vez de comprá-lo num
pet shop.” A decisão, aliás, rendeu uma boa economia: um filhote de
husky custa, em média, de 300 a 1000 reais, dependendo do
pedigree.Em São Paulo, são recolhidos diariamente cerca de 60 cachorros abandonados. Diferentemente de
Diadema, o
CCZ da capital sacrifica apenas os animais doentes ou muito idosos. A equipe de veterinários
selecciona os sadios e mais dóceis para a
adopção. Apesar de vacinados,
vermifugados e castrados, esses cães custam a arrumar uma casa. Enquanto aguardam um novo dono, ficam em celas separadas. Quando alguém se aproxima das grades, eles logo abanam o rabo e exibem sua carência no olhar, numa cena comovente, como se soubessem que podem sair dali caso agradem ao visitante.